quarta-feira, 25 de junho de 2014

Texto "O Modelo do Modelos' de Ítalo Calvini e sua relação com o AEE.

“O modelo dos modelos”
Italo Calvino

                  Houve na vida do senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo, verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e realidade coincidam. [..] Mas se por um instante ele deixava de fixar a harmoniosa figura geométrica desenhada no céu dos modelos ideais, saltava a seus olhos uma paisagem humana em que a monstruosidade e os desastres não eram de todo desaparecidos e as linhas do desenho surgiam deformadas e retorcidas. [...] A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande variedade de modelos, se possível transformáveis uns nos outros segundo um procedimento combinatório, para encontrar aquele que se adaptasse melhor a uma realidade que por sua vez fosse feita de tantas realidades distintas, no tempo e no espaço. [...] Analisando assim as coisas, o modelo dos modelos almejado por Palomar deverá servir para obter modelos transparentes, diáfanos, sutis como teias de aranha; talvez até mesmo para dissolver os modelos, ou até mesmo para dissolver-se a si próprio.

                  Neste ponto só restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos. Completado também esse passo, eis que ele se depara face a face com a realidade mal padronizável e não homogeneizável, formulando os seus “sins”, os seus “nãos”, os seus “mas”. Para fazer isto, melhor é que a mente permaneça desembaraçada, mobiliada apenas com a memória de fragmentos de experiências e de princípios subentendidos e não demonstráveis. Não é uma linha de conduta da qual possa extrair satisfações especiais, mas é a única que lhe parece praticável.

 

                  O texto acima nos leva a uma reflexão sobre o papel do professor do AEE enquanto educador, sobre conceitos da pessoa com deficiência e sobre a educação especial dentro do contexto comum, desde toda a sua evolução histórica. Nos mostra metaforicamente o modelo de educação existente antes de se pensar numa educação verdadeiramente inclusiva.
                  O "modelo dos modelos" almejado por Palomar, inicialmente, seria um modelo pré- estabelecido, um modelo o mais perfeito e lógico possível. De início, se verificaria se o tal modelo seria adaptável aos casos práticos observáveis nas experiências, para somente depois proceder às correções necessárias para que o modelo e a realidade coincidissem. Tal qual esses três momentos vivenciados por Palomar, vivemos numa sociedade que sempre cobrou de nós o tempo inteiro a perfeição. Não basta sermos bons, temos que ser os melhores em tudo. Somos cobrados para termos bons recursos financeiros, um ótimo emprego, um corpo perfeito. E em caso de termos uma deficiência? A cobrança ainda é maior. A sociedade vai adquirindo lentamente, nos hábitos, no modo de pensar e de agir, outros valores. Tendo como um de seus princípios a exclusão daquelas pessoas que não se enquadram em “modelos e verdades universais”, produzidos e impostos pela forma de organização vigente, que classifica o ser humano do mesmo modo que faz com as mercadorias: pela cor, pelo sexo e pelo poder aquisitivo. Esse modo fragiliza os princípios éticos, sociais, morais e culturais de qualquer instituição de educação comprometida com a construção da cidadania que amplia e transforma dentro e fora da escola.
                  A história da educação especial evidencia que sua trajetória foi marcada pela construção de um modelo de paradigma, a partir da idéia de homogeneizar um grupo de alunos em que todos aprenderiam da mesma forma, adotando-se assim um modelo totalmente tradicionalista, em que todos deveriam atingir um dado padrão de comportamento acadêmico, que definia o aluno como capaz e os que não coubessem nesse modelo eram facilmente excluídos ou limitados em sua trajetória escolar.
A regra do senhor Palomar foi aos poucos se modificando: agora já desejava uma grande variedades de modelos se possível transformáveis, para assim adaptá-los conforme a realidade. Neste ponto só restava a Palomar apagar da mente os modelos e os modelos de modelos. No âmbito da educação, à medida em que os direitos do homem à igualdade e à cidadania se tornaram motivos de preocupação dos pensadores e das famílias, em busca permanente por uma sociedade inclusiva, a história da educação especial começou a mudar. A visão preconceituosa da sociedade daquela época, aos poucos, cedeu lugar a uma sociedade aberta para aceitar as diferenças.
                  Com a publicação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, relacionando-a com o texto, as questões levantadas permitem refletir: Palomar foi destituindo-se do preconceito e formando outras concepções e conceitos sobre o novo modelo que queria construir. Da mesma forma, a educação especial foi tomando outro rumo, com a construção de uma escola para todos, ou seja, transformando a escola em um espaço capaz de receber todo e qualquer aluno, promovendo o Atendimento Educacional Especializado. É aí que como professores do AEE, entra nossa atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, reforçando a importância dos ambientes heterogêneos para a promoção de aprendizagem de todos os alunos, considerando suas diferenças e suas necessidades específicas. É nosso papel, como professores do AEE, colaborar com nossos alunos para a superação de suas limitações, para o desenvolvimento de suas possibilidades, para a construção de sua autonomia e para melhoria de suas condições de vida. Devemos objetivar construir e efetivar uma prática pedagógica que lide com todos os níveis de desenvolvimento e processos de aprendizagem diferenciados, buscando, juntos (escola, família e comunidade), alternativas para a superação dos conflitos e das dificuldades que surgem na caminhada.
                  No AEE, è que se promove a reflexão sobre a construção de novos modelos e sobre a necessidade de mudanças de atitudes sociais e de quebra de barreiras, que impedem o acesso e a permanência de alunos com necessidades especiais nas escolas de ensino regular. 

                 

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